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Marcos Caian Mendes Lima
Bacharelando em Direito pela Universidade Federal do Ceará - UFC.
Pesquisador do Núcleo de Ciências Criminais - NECC/UFC

No atual contexto de um capitalismo informacional, em que transações milionárias podem ser feitas com apenas um click, em virtude das tecnologias que existem na atual dinâmica socioeconômica mundial, é possível perceber uma maior popularidade de questões do mercado financeiro, desde o tema das criptomoedas até a modalidade de investimento trading. Devido a isso, está cada vez mais importante entender e preservar o Sistema Financeiro Nacional. No Brasil, desde 1951, com a Lei nº 1.521, a conhecida Lei da Economia Popular, a legislação brasileira tentava preservar e zelar pela ordem financeira e econômica. Como exemplo, tem-se o artigo 3º, inciso IX, que tipificava a gestão fraudulenta como crime contra a economia popular.

Com o avançar dos anos e das tecnologias, fez-se necessário uma nova lei que tipificasse a gestão fraudulenta e as novas instituições do sistema financeiro. Com isso, foi criada a Lei dos Crimes de Colarinho Branco, Nº 7.492/86, que define os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional (SFN). A referida lei visa também à higidez do mercado financeiro, pois, para que tal mercado seja produtivo, é necessário que exista fé pública sobre ele, tal atributo é conquistado através de uma transparência e eticidade das instituições financeiras como um todo. A partir do pensamento de George G. Kaufman, professor de economia da Universidade de Loyola em Chicago, sobre os crimes contra o sistema financeiro e o mercado de capitais, “as fraudes são, historicamente, uma das maiores razões pelas quais bancos se tornam insolventes e uma das formas mais graves de rompimento da confiança, liame [...] do qual depende todo o sistema financeiro”.

Mas afinal, o que é gestão fraudulenta? Por mais que não exista consenso na doutrina, o ato de gestão fraudulenta se caracteriza por atos ilícitos praticados pelos administradores, diretores e gerentes, ou seja, os responsáveis pela gestão empresarial, que seja exteriorizada por manobras ardilosas e pela prática consciente de fraude. Para exemplificar, é quando uma instituição financeira falsifica balanços, mostrando uma arrecadação de dinheiro diferente da realidade, com o objetivo de enganar investidores e autoridades encarregadas de fiscalização, ou seja, simular uma falsa situação de saúde financeira da instituição. Outrossim, devido à nebulosa definição de gestão fraudulenta na Lei 7.496 e na falta de consenso jurisprudencial, é importante entender a problemática dessa questão que tem gerado insegurança jurídica no contexto financeiro brasileiro. Conforme o artigo 25 da Lei dos Crimes do Colarinho Branco, os penalmente responsáveis pelo crime de gestão fraudulenta são “o controlador e os administradores de instituição financeira, assim considerados os diretores, gerentes”. Ora, então caso o fato típico venha a ser cometido por algum funcionário subalterno, mesmo assim, de acordo com o que aconteceu na decisão proferida na APn Nº. 470 do STF, mais conhecido como “caso mensalão”, diretores e gerentes possuem o domínio do fato (ou teoricamente deveria ter) e, portanto, são autores. Nas palavras do ministro aposentado Joaquim Barbosa, nos crimes empresariais, a imputação, em regra, deve recair sobre os dirigentes. Porém, como reverter esta situação de responsabilização penal por uma ação que presumida, diversa daquela proveniente da própria conduta do agente em relação ao delito?

No contexto atual, é cada vez mais necessário a existência do Programa de Compliance nas empresas. O mecanismo tem como ponto principal um conjunto de medias que orientam e determinam o comportamento permitido e exigido pelos funcionários e dirigentes de uma determinada empresa. A adoção de tal programa tem por objetivo a prevenção e a repressão de eventos ilícitos dentro da corporação. O Criminal Compliance (CC), por sua vez, que surge como uma ramificação do programa, define a responsabilidade e a distribuição do trabalho mediante delegação, controlando o comportamento que seja relevante no âmbito jurídico penal dos empregados . Portanto, trabalhará com dois pontos principais, o primeiro com o aspecto preventivo, visto que ele possui a finalidade de evitar o cometimento de crimes, e o segundo é o aspecto punitivo do programa, já que apresentará qual a responsabilização do agente ao cometer o delito .

Deste modo, partindo da ótica de que, segundo o STF, os administradores e controladores devem ser responsáveis mesmo quando o ato de gestão fraudulenta parte de um empregado subalterno, visto que compete a esses dois fiscalizar e identificar os atos penalmente repugnantes, pode começar a ser contestado, visto que o programa de CC tem como objetivo principal esta fiscalização, comprovando a existência deste dever de vigilância. Assim, o delito do empregado subalternado surgirá como uma situação atípica que não advém da falta de vigilância, pois a mesma já existe no seio da instituição. Tornando, aqui, questionável a responsabilização penal do alto escalão ou uma possível mitigação da pena sobre os administradores e controladores.


*O INEDIPE preza e estimula o debate acadêmico. Contudo, as ideias reproduzidas no artigo acima não necessariamente são as mesmas do INEDIPE e de seus Diretores. Sendo, portanto, de inteira responsabilidade de seus autores.

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